16.1.08

Ensaio sobre a lucidez

O Governo era como irmãos siameses. O da esquerda sempre unido ao da direito por um centro em comum. E, nos debates a que se propunham por vontade própria, os lados se degladiavam e expunham seus defeitos, suas fétidas realizações (ou a falta delas), toda corrupção que fazia parte da vala comum em que afundavam e faziam afundar a todos. Era engraçado assistir aquelas pessoas (apresentavam-se individualmente, mas no fundo, como já foi dito, eram um) que pareciam estar com os pés sobre areia movediça, e, a cada novo golpe afundavam mais e mais, sem perceber que estavam ali entregando todo o jogo no qual os únicos jogadores eram eles mesmos. Pareciam não perceber que não estavam derrubando o adversário, e insistiam em abrir a caixa de Pandora via satélite e ao vivo para o país inteiro. Vejam só, pareciam dizer, como somos estúpidos! Mas chegou uma hora em que, já com as chagas expostas à toda a nação, agonizando de dores irremediáveis, erupções purulentas e hemorragia em ambos os lados, o Governo se ajoelhou, pediu perdão a Deus - esse sim, o único que sabiamente jamais toma partido - e morreu. Perdoado, foi mandado direto para o inferno.